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Como o Brasil deveria promover a saúde genética para sua população

O Brasil oferece algumas medidas para descobrir anomalias genéticas ainda na infância, mas é necessário maior envolvimento na prevenção

Por Salmo Raskin
21 Maio 2018, 15h26

Apesar das anomalias congênitas serem a 30 anos a segunda maior causa de mortalidade infantil no Brasil, segundo o IBGE, o Estado brasileiro nunca deu prioridade à prevenção de defeitos congênitos. Esta enorme lacuna social vem sendo, dentro do possível, preenchida por organizações não governamentais. Destas, destaca-se o Estudo Colaborativo Latino-Americano de Malformações Congênitas – ECLAMC- Desde 1967 o ECLAMC funciona como um programa de pesquisa clínica e epidemiológica das anomalias do desenvolvimento que trabalha com nascimentos hospitalares em países latino-americanos, sendo reconhecido por a Organização Mundial da Saúde como Centro Colaborador para a Prevenção de Malformações Congênitas.

Já que o governo brasileiro nunca teve um sistema de vigilância epidemiológica de anomalias congênitas abrangentes, organizado e fidedigno, o ECLAMC faz também este papel, observando sistematicamente as flutuações nas frequências das diferentes malformações e, frente ao alarme de uma epidemia para um tipo de malformação, e num momento e área dados, mobiliza-se para tentar identificar a causa dessa epidemia. E não são apenas anomalias congênitas que podem ser causadas por alterações genéticas; estas se manifestam de várias formas, desde erros enzimáticos do metabolismo, diversos tipos de deficiências destacando-se a intelectual, predisposição a certos tipos de câncer, etc.

Tipos de Intervenção Preventiva

Leavell & Clark, em 1965, propuseram baseados no modelo da história natural das doenças, três níveis de prevenção; prevenção primária (antes de o problema ocorrer), secundária (diagnóstico precoce antes dos primeiros sintomas) e terciária (reabilitação). Mais recentemente, em 1986, o belga Marc Jamoulle introduziu o conceito de Prevenção quaternária (prevenir excessos da Medicina moderna).

PREVENÇÃO PRIMÁRIA

Consiste na promoção da saúde e proteção específica. A promoção da saúde aparece como prevenção primária, confundindo-se com a prevenção referente à proteção específica (vacinação, por exemplo). Corresponde a medidas gerais, educativas, que objetivam melhorar a resistência e o bem-estar geral dos indivíduos (comportamentos alimentares, exercício físico e repouso, contenção de estresse, não ingestão de drogas ou de tabaco), para que resistam às agressões dos agentes. Também diz respeito a ações de orientação para cuidados com o ambiente, para que esse não favoreça o desenvolvimento de agentes etiológicos (comportamentos higiênicos relacionados à habitação e aos entornos). Em resumo, propõe modificações no estilo de vida e nos cuidados com a saúde em pessoas saudáveis, com o intuito de reduzir a incidência de doenças.

Prevenção Primária em Genética

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Com dez medidas simples, efetivas e de baixo custo, poderíamos fazer uma verdadeira revolução na prevenção de anomalias congênitas no Brasil; Tomo como base as medidas de prevenção propostas pelo ECLAMC, pois são simples, efetivas e econômicas. Adapto-as e acrescento algumas;

1. Todo esforço deveria ser feito para planejar as gestações e não “ser surpreendida” com uma gravidez; por exemplo, evitar engravidar (e/ou se proteger) em áreas ou em épocas aonde a infecção pelo Zika vírus é muito prevalente, tomar comprimidos de ácido fólico e receber a vacina contra a rubéola, são exemplos de atitudes simples, importantes e efetivas que devem ser feitas preferencialmente ANTES de engravidar;

2. O ideal é completar a família enquanto ainda se é jovem. Idade materna e paterna avançada no momento de ter filhos contribuem para aumentar a chance de o filho ter certos problemas genéticos;

3. Os controles pré-natais são a melhor garantia para a saúde da gestação, e a falta deles o maior risco para a mortalidade infantil;

4. Se está tentando engravidar ou se está grávida, evite usar medicamentos, exceto os imprescindíveis prescritos só por seu médico;

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5. As bebidas alcoólicas prejudicam a gravidez e podem causar problemas irreversíveis aos fetos, mesmo com a ingestão de doses pequenas de álcool na gestação; Se engravidar, não beba!

6. Se está tentando engravidar ou se já está gravida, não fume e evite os ambientes em que se fuma;

7. Coma de tudo e bem, preferindo verduras e frutas;

8. Consulte seu médico se o tipo de teu trabalho habitual pode ser prejudicial para a gravidez;

9. Esteja ciente e cobre das autoridades que é um direito de todo cidadão ter informação adequada, apoio e autonomia no processo de planejamento e decisões reprodutivas;

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10. Esteja ciente e cobre das autoridades que é um direito de todo cidadão ter acesso a aconselhamento genético. Diante de qualquer dúvida consulte seu médico ou um serviço especializado (ver links no final desta matéria).

O Aconselhamento Genético é uma poderosa ferramenta de Prevenção Primária de doenças genéticas. Trata-se de um processo profissional caracterizado pela troca de informações entre equipes de profissionais multidisciplinar coordenadas por médicos geneticistas, e pacientes e seus familiares, pelo qual se almeja ajudar as pessoas a entender e se adaptar às consequências médicas, psicológicas e familiares da contribuição genética na causa das doenças.

Entre outros aspectos do aconselhamento genético, destaca-se a comunicação de informações a respeito de problemas associados com o acontecimento prévio ou atual, ou com o risco de repetição de uma doença genética na família, através do qual pessoas e seus parentes que tenham ou estejam em risco de vir a ter uma doença genética são informados sobre as características da condição, a probabilidade ou risco de desenvolvê-la ou transmiti-la para os filhos, e o que pode ser feito para minimizar suas consequências ou prevenir a ocorrência ou repetição.

PREVENÇÃO SECUNDÁRIA

Consiste no diagnóstico e tratamento precoce, com o objetivo de limitação da invalidez. Engloba estratégias populacionais para detecção precoce de doenças, como por exemplo, o rastreamento de câncer de colo uterino. Isto se dá por meio de práticas clínicas preventivas e de educação em saúde, objetivando a adoção/mudança de comportamentos (alimentares, atividades físicas, etc.).

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Em resumo, propõe atitudes para rastrear amplos grupos populacionais e detectar precocemente pessoas que possam estar em risco elevado de desenvolver certas doenças em que se possa atuar para que, ao suspeitar delas em etapas tão precoces quanto antes mesmo delas se manifestarem, permita reduzir a prevalência destas doenças.

Prevenção Secundária em Genética

O melhor exemplo é o rastreamento neonatal para certas doenças genéticas, conhecido como “Teste do pezinho”, que é obrigatório e gratuito no Brasil. Outro exemplo seriam os cuidados no período pré-natal como a realização de ecografia obstétrica entre 11-13 semanas de gestação, onde é medida a espessura da pele da nuca do feto (“translucência nucal”) que é muito importante para avaliar o risco de algumas condições genéticas no feto; a ecografia entre 18-22 semanas de gestação é a ideal para avaliar a presença ou não de malformações no feto.

Um terceiro exemplo de prevenção secundária são programas que se propõem a examinar todos os recém-nascidos de uma região ou de um hospital, visando à detecção e tratamento precoce de malformações congênitas, como faz historicamente o ECLAMC e não faz o governo brasileiro (excetuando meia dúzia entre as milhares de doenças genéticas que são diagnosticadas precocemente pelo programa público de Triagem neonatal). Por ultimo, a identificação de pessoas que podem ter predisposição hereditária a desenvolver certos tipos de Câncer, através de entrevistas médicas e testes genéticos em pessoas que ainda não desenvolveram câncer, é uma modalidade mais moderna de prevenção secundária em genética.

PREVENÇÃO TERCIÁRIA

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Consiste no cuidado de sujeitos com sequelas de doenças ou acidentes, visando á recuperação ou a manutenção em equilíbrio funcional. Em resumo, propõe o tratamento por especialistas em indivíduos ou populações que já manifestam determinadas doenças, com o intuito de reduzir a mortalidade causada por doenças.

Prevenção Terciária em Genética

Não há cura para nenhuma doença genética, porém existem tratamentos para todas. Em algumas o tratamento é paliativo, em outras permite sobrevida com enorme qualidade. No que se refere à prevenção terciária, o ECLAMC produz uma série de guias de orientação em forma de “folders” explicativos, dirigidos às famílias dos recém-nascidos, afetados por alguma das anomalias mais frequentes e incapacitantes, como por exemplo, para prevenção terciária de fendas orais (“lábio leporino”),  Síndrome de Down, espinha bífida e anomalias congênitas.

 PREVENÇÃO QUATERNÁRIA

Em 1986, o belga Marc Jamoulle desenvolveu o conceito de prevenção quaternária, que se caracterizaria por ações feitas para identificar um paciente em risco de “supermedicalização”, para protegê-lo de uma nova invasão médica e sugerir a ele intervenções eticamente aceitáveis. Propõe cuidados e condutas para baseadas em um dos princípios mais antigos da Medicina atribuído a Hipócrates, “primum non nocere” (“Antes de tudo, não cause dano, não prejudique o paciente”), com o intuito de reduzir o excesso de diagnósticos, excesso de tratamento e iatrogenia (doenças “causadas por médicos”). Ou seja, ações tomadas para proteger indivíduos (sejam pessoas ou pacientes) de intervenções médicas que tem chance de causar mais dano do que benefícios.

Outro objetivo da prevenção quaternária é construir a autonomia dos usuários e pacientes por meio de informações necessárias e suficientes para poderem tomar suas próprias decisões, sem falsas expectativas, conhecendo as vantagens e os inconvenientes dos métodos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos propostos. Em suma, consiste na construção da autonomia dos sujeitos e na detecção de indivíduos em risco de sobretratamento ou excesso de prevenção, para protegê-los de intervenções profissionais inapropriadas e sugerir-lhes alternativas eticamente aceitáveis.

Prevenção Quaternária em Genética

Certas intervenções médicas em genética tem grande potencial de causar mais malefício do que benefício. Um exemplo é a oferta de alguns testes genéticos que não tem utilidade, e outros que tem mais utilidade do que malefícios apenas se foram feitos sempre de forma individualizada e no contexto de Aconselhamento Genético, para que as pessoas compreendam os benefícios, as limitações e as consequências psicológicas, sociais e éticas destes testes preditivos. Preocupada com a Prevenção Quaternária de potenciais malefícios de alguns testes genéticos preditivos, a Sociedade Brasileira de Genética Médica recentemente se posicionou.

Também recentemente a Sociedade Brasileira de Genética Médica publicou parecer com intuito de Prevenção Quaternária relativa aos possíveis malefícios de um projeto proposto pelo Ministério da Saúde, para oferecer testes genéticos pré-nupciais ao nível populacional.

Todas as quatro linhas de prevenção acima são fundamentais para minimizar o impacto das doenças genéticas, mas em países com as características do Brasil, a ênfase deveria ser a prevenção primária, através da identificação de riscos seguida de Aconselhamento Genético feita por equipes multiprofissionais especialmente treinadas, como previsto na Portaria 199 do Ministério da Saúde, que jamais foi implementada. Por excesso de preocupação com potenciais custos associados a medidas de prevenção terciária para uma dúzia de doenças genéticas que afetam poucos pacientes, o governo brasileiro historicamente abandonou um projeto muito mais amplo de Prevenção Primária, que beneficiaria milhões de brasileiros com milhares de doenças genéticas.

 

Este matéria é dedicada a dois ícones da prevenção primaria de doenças genéticas, o fundador do ECLAMC, Médico Pediatra Eduardo Enrique Castilla (“in memorian”) e Victor Penchaszadeh, Médico Geneticista e Pediatra. Ambos nascidos na Argentina, mas com profunda atuação em toda a América Latina e em especial no Brasil.

 

Salmo Raskin

 

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