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Alimentos orgânicos contra o câncer: vale a pena investir?

Estudo sugere que alimentos sem resíduos de agrotóxicos reduzem o risco de tumores. Saiba o que dizem os especialistas e como esse achado afeta sua mesa

Por Chloé Pinheiro
Atualizado em 1 fev 2019, 16h29 - Publicado em 22 jan 2019, 09h01

No fim de 2018, uma pesquisa feita com mais de 68 mil pessoas causou um verdadeiro rebuliço ao associar a preferência por alimentos orgânicos a uma menor probabilidade de encarar alguns tipos de câncer. Para a investigação desse elo, os voluntários responderam periodicamente a um questionário, no qual forneceram informações sobre o consumo de 16 itens.

Após sete anos, contabilizou-se a incidência da doença na turma. Foi daí que saiu o dado que chacoalhou a comunidade científica: quem priorizava os orgânicos estava mais protegido contra os tumores — o risco de enfrentá-los era 25% menor, segundo cálculo dos autores. Para os linfomas, o número impressionou mais, já que o perigo despencou 73%.

Publicado no periódico Jama Internal Medicine, o resultado merece algumas ponderações. Primeiro, trata-se de um estudo de associação, ou seja, apenas compara dois dados em vez de mostrar uma relação clara de causa e efeito. Outra crítica vem do fato de o levantamento não ter dosado os resíduos dos agrotóxicos presentes no organismo dos participantes — o que poderia trazer à tona uma ligação mais direta ou não.

Apesar de justos, esses argumentos não tiram todo o mérito do trabalho. Para focar exclusivamente nos orgânicos e evitar confusões, os cientistas excluíram outros fatores classicamente ligados à doença.

“E, mesmo quando controlamos histórico familiar, tabagismo, qualidade da dieta como um todo e nível socioeconômico, não houve alteração significativa nos desfechos”, relata a nutricionista e coordenadora do estudo Julia Baudry, da Universidade de Paris, na França.

Mas também não vá esperando milagres. “O câncer é uma doença multifatorial. Portanto, não adianta optar pelo orgânico e tomar refrigerante todos os dias, ser sedentário, fumar, e por aí vai”, faz questão de ressaltar Thaís Manfrinato Miola, coordenadora de Nutrição Clínica do A.C.Camargo Cancer Center, em São Paulo.

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Orgânicos: mais limpos ou nutritivos?

Julia reconhece que mais investigações são necessárias para entender e comprovar o vínculo identificado em sua pesquisa. Mas já há diversas hipóteses sendo ventiladas.

Uma delas diz que os alimentos orgânicos esbanjariam mais nutrientes do que os convencionais, produzidos com agrotóxicos — isto é, produtos químicos usados no campo como fertilizantes ou para afastar pragas e outras plantas que não as cultivadas.

“Mas os estudos sobre isso são controversos. Por isso, ainda não existe consenso sobre o tema”, analisa a nutricionista Juliana Geraix, doutora pela Faculdade de Medicina de Botucatu, no interior paulista, e especialista na relação entre alimentação e câncer. “Fatores como o solo onde o produto cresce, quais pesticidas são usados e como os produtos são aplicados influenciam nesse aspecto. Então é simplório demais eleger uma categoria como mais nutritiva”, raciocina.

Mas há uma teoria favorável aos orgânicos que goza de mais respaldo entre os experts. Ela defende que, ao privilegiar essa versão do alimento — que também respeita princípios de sustentabilidade —, o indivíduo diminui sua exposição aos tais agrotóxicos. “E alguns desses compostos já foram relacionados com o câncer, porque levam a alterações no DNA e no funcionamento das células capazes de propiciar o aparecimento de tumores”, explica Thaís.

Pois é: se ainda não dá para afirmar que orgânicos previnem câncer, o caminho inverso, que bota os pesticidas no banco dos réus, já está mais consolidado. Diversos agrotóxicos são elencados pela Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (Iarc, na sigla em inglês) como provavelmente carcinogênicos em humanos.

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Três deles surgem na classificação 2A, a segunda mais robusta em evidências: glifosato, malathion e diazinon, todos em uso atualmente no Brasil.

“Mas o registro do produto só é aprovado se a segurança ao consumidor está garantida e a fração de resíduos que podem permanecer nos alimentos é bastante pequena”, pondera Andreia Ferraz, gerente de Ciência Regulatória da Associação Nacional de Defesa Vegetal, entidade a favor da utilização de agroquímicos.

Só que os especialistas em saúde não concordam muito com essa afirmação, em especial no caso do glifosato, um dos mais populares por aqui. “Não existe limite seguro para a exposição a agentes com potencial para causar câncer. Pelo princípio da precaução, ele deveria ser proibido”, afirma Marcia Scarpa, toxicologista do Instituto Nacional de Câncer (Inca). “Sem dúvida os agricultores correm maior risco, porque manipulam diretamente os produtos. Mas existem evidências científicas claras da presença de resíduos dessas substâncias nos alimentos comercializados”, completa a especialista.

“O glifosato bloqueia uma via metabólica que inibe o crescimento da planta. Só que essa via não existe em animais, o que contribui para sua baixa toxicidade nos humanos. Se usado de acordo com a bula, ele é seguro para o consumidor”, contrapõe o toxicologista Flavio Zambrone, pesquisador do Grupo de Informação e Pesquisa sobre Glifosato (Gipeg).

O enrosco: esse emprego correto não corresponderia à realidade. “Há uma banalização do uso do agrotóxico e erros de aplicação. Para piorar, a fiscalização é insuficiente, o que é esperado, porque estamos num país gigante”, comenta Mariella Uzeda, agrônoma e pesquisadora da Embrapa.

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Para embolar a situação, não dá para confirmar quanto agrotóxico consumimos. A única medida oficial de resíduos em alimentos vem do Programa Nacional de Análise de Resíduos de Agrotóxicos da Anvisa. Ocorre que ele não é atualizado desde 2016 e só considera itens in natura.

No caso da água, por exemplo, que também sofre contaminação, a situação é preocupante. Uma portaria de 2011 do Ministério da Saúde permite até 500 microgramas por litro (μg/L) de glifosato no líquido potável, enquanto na Europa o limite é de 0,1 μg/L — valor 5 mil vezes mais rígido. “E a legislação obriga a análise somente de algumas substâncias. Várias outras nem sequer são medidas”, destaca o médico Ever Moronte, do Observatório dos Agrotóxicos da Universidade Federal do Paraná.

E como ficam as compras?

Apesar de o estudo francês não ser conclusivo e gerar debates acalorados, vale, sim, apostar nos orgânicos quando possível. O Inca recomenda privilegiar a categoria como parte do estilo de vida que reduz o risco de câncer.

Só não é para ficar bitolado, afinal é difícil mesmo fugir dos agrotóxicos: eles estão presentes em quase tudo que comemos e bebemos. Para ter ideia, 99% da produção agrícola do país é convencional. Os orgânicos ainda são mais difíceis de achar e, muitas vezes, mais caros — embora dê para encontrar preços melhores fora dos supermercados.

E que fique claro: mesmo que frutas, verduras e legumes sejam cultivados de forma convencional, os especialistas incentivam sua presença na rotina. É que os benefícios da classe superam a possível ameaça de agrotóxicos.

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“A última meta-análise [revisão robusta, que avalia estudos já feitos sobre um tema] estima que cerca de 20 mil casos de câncer ao ano poderiam ser evitados aumentando o consumo de vegetais, enquanto dez casos seriam provocados pela ingestão de pesticidas”, informa Juliana. A balança pesa positivamente para o que vem da terra, seja orgânico ou não.

Com o moral lá em cima

Puxado pelo crescente interesse em um estilo de vida mais saudável, o setor de orgânicos vive um bom momento no país. Hoje, são 17 mil produtores certificados, e o mercado cresceu cerca de 10% ao ano na última década. Estima-se que, em 2018, o faturamento ficou em torno de 4 bilhões de reais.

Se você quer levá-los para casa, mas o preço é um impeditivo, vale procurar os Grupos de Consumo Responsável (GCR), criados por consumidores que compram direto com os agricultores. Segundo o Instituto Kairós, uma cesta de 17 vegetais nessas organizações tem valor médio de 69 reais, enquanto a mesma lista no supermercado sai por 144 reais.

O que define um orgânico

Carne e ovos: devem vir de animais que não recebem remédios (como antibióticos) e vivem livres em boa parte do tempo. A dieta deles precisa ser pelo menos 85% orgânica.

Leite e derivados: o raciocínio segue o mesmo do das carnes. Aditivos químicos são proibidos na produção e as vacas leiteiras recebem até sessões de relaxamento em algumas fazendas.

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Industrializado: para um biscoito ou outro processado receber o selo de orgânico, pelo menos 95% dos ingredientes devem ser certificados dessa maneira.

Fontes: Airton Vialta, pesquisador científico do Instituto de Tecnologia de Alimentos (Ital); e Cobi Cruz, diretor de marketing da Organis – Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável

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