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Entenda o que é o aconselhamento genético que pode chegar ao SUS

O projeto é parte de uma política de cuidados a serem tomados antes da concepção para prevenir doenças raras, mas gera polêmica entre os especialistas.

Por Chloé Pinheiro
5 mar 2018, 22h07

O Ministério da Saúde estuda incluir no Sistema Único de Saúde um programa de aconselhamento genético para prevenir doenças raras. Em nota, o órgão afirmou que o objetivo é oferecer tratamento e orientação a casais que tenham essa predisposição para que possam decidir se querem ou não ter filhos.

Na prática, a proposta é que os casais que planejam ser pais sejam atendidos na Atenção Básica, como os postinhos de saúde, e aqueles que tiverem alto risco de doenças genéticas sejam ali triados pelo médico com base em perguntas e exames específicos e encaminhados para o médico geneticista, que realiza mais exames se for necessário e faz o aconselhamento, serviço que já é oferecido na rede particular e em centros universitários.

Em 2014, o Ministério da Saúde já havia publicado uma Política de Atenção às Doenças Raras que incluía o aconselhamento dentro de uma série de iniciativas para tratar e diagnosticar precocemente doenças raras, mas que pouco saiu do papel. Agora, o objetivo é estender essa investigação a todos os casais que pretendem engravidar para flagrar aqueles que têm mais chances de desenvolver distúrbios como a fibrose cística, a surdez congênita e muitos outros.

Inclusive os problemas que não são relacionados aos genes. “A genética é uma parte importante disso, mas o projeto envolve também pesquisa de doenças sexualmente transmissíveis e infecciosas, como sífilis e toxoplasmose, que podem afetar o desenvolvimento do feto”, explica Regina Celia Mingroni Netto, geneticista do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP).

Para funcionar, entretanto, o projeto precisa vencer uma série de limitações.

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O desafio da prática

Um dos pontos debatidos pelos especialistas da área é que o Ministério indica que o aconselhamento genético seja realizado por médicos geneticistas, especialidade rara no Brasil. “Temos menos de 300 no país e, por outro lado, existem inúmeros geneticistas que não são médicos, mas têm especialização e estão capacitados para fazer essa triagem”, aponta Mayana Zatz, geneticista do Instituto de Biociências da USP.

Seria preciso, também, treinar a rede de Atenção Básica para fazer essa investigação e investir em novos centros de referência e exames que ainda não estão inclusos no rol de procedimentos do SUS. “A primeira coisa seria pagar o teste genético de quem já teve filho com doenças raras para evitar uma segunda gravidez, o que ainda não é feito”, aponta Mayana.

Por fim, uma vez implementado, resta um último problema: o que fazer com os casais que descobrem possuir um risco alto de doença genética? “A reprodução assistida, com técnicas como a fertilização in vitro, seria uma possibilidade para minimizar as probabilidades, mas esse serviço custa caro e não está disponível na rede pública”, explica Renata Moldenhauer Minillo, geneticista do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.

“Se a ideia é fazer essa orientação, deve haver uma política de direitos reprodutivos juntos. Se há o problema e a probabilidade, a rede pública conseguirá fazer o diagnóstico durante a gravidez? E depois a mulher poderá interromper a gestação?”, comenta Dafne Horovitz, médica geneticista vice-presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica (SBGM). A entidade emitiu um posicionamento nesta semana contrário aos moldes atuais do projeto.

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Como funciona o aconselhamento genético

Cada abordagem é única. A primeira consulta avalia o histórico e determina possíveis riscos para investigar e, a partir daí, define-se a conduta a ser seguida, que pode envolver exames que rastreiam o DNA à procura de doenças específicas e investigação do restante da família. A partir daí, o geneticista emite um relatório que quantifica o risco de cada doença e as possíveis condutas em cada caso.

“Apesar de chamar aconselhamento, na verdade nós não aconselhamos nada. Qualquer decisão reprodutiva é exclusiva do casal”, aponta Mayana. Hoje ele é feito em poucos centros de referência credenciados na rede pública – são sete no país – e ainda de forma escassa, a partir de crianças que nasceram com alguma doença congênita com chance de ser genética.

Na rede particular e em universidades, ele é solicitado geralmente em duas situações. A primeira é quando uma criança nasce com uma malformação, atraso de desenvolvimento ou outra doença congênita, como uma cardiopatia. A segunda é quando os genitores têm histórico na família de problemas do tipo ou estão no grupo de risco para doenças genéticas. A saber, entram nele mulheres com histórico de aborto de repetição ou morte fetal, gestações tardias e casais que são parentes, entre outros.

Agora, o projeto está, segundo o Ministério da Saúde, em estudo e não há, por ora, previsão de implantação do programa. “É importante primeiro fortalecer a rede e estudar a infraestrutura disponível para acolher esses casais”, aponta Regina. É preciso também entender as doenças raras em um contexto maior, uma vez que não são causadas apenas por herança genética, mas também por doenças crônicas, uso de medicamentos durante a gestação e uma série de outros fatores, incluindo as mutações aleatórias. “O diagnóstico de doenças raras hoje demora sete anos para acontecer, trata-se de uma questão desafiadora que não será resolvida com um único teste”, opina Renata.

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