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Mas afinal, para que serve o STF?

Afogado por ações criminais e sem estrutura para dar conta da demanda, Supremo Tribunal Federal se afasta da origem de guardião da constituição

Por Guilherme Venaglia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 25 mar 2021, 21h33 - Publicado em 11 fev 2017, 09h00

O artigo 102 da Constituição brasileira, que rege a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), diz que a função principal do órgão não é julgar ninguém, mas ser o guardião da Carta Magna contra todas as suas possíveis ameaças. Formada por onze homens e mulheres, de pelo menos 35 anos, reputação ilibada e notório saber jurídico, deve exercer essa proteção ao impedir que atos administrativos, projetos de lei ou até decisões judiciais ofendam preceitos da Constituição sejam validados. “É a tarefa de ir contra a decisão da maioria, se esta não estiver de acordo com a Constituição”, observa Oscar Vilhena, diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Hoje, no entanto, para cada mil casos efetivamente de interpretações constitucionais, o Supremo recebe cerca de cinquenta mil processos de caráter criminal.

Tal situação ocorre porque, além de colocar nele a expectativa de garantir o seu cumprimento, a Constituição também atribui ao STF outras duas grandes funções: ser uma “corte de últimos recursos”, como diz Vilhena, e julgar autoridades com foro por prerrogativa de função, o famoso foro privilegiado. Presidente, vice-presidente, deputados federais, senadores, ministros e o procurador-geral da República não podem ser julgados pela Justiça comum, competindo ao Supremo se transformar em corte criminal para submetê-los a julgamento, se for o caso. Também compete à Corte julgar casos de extradição e conflitos entre entes públicos.

Dada a quantidade exorbitante de políticos envolvidos com esquemas de corrupção, particularmente após o escândalo do Mensalão, em 2005, o foro privilegiado acaba transformando o Supremo em uma espécie de vara de 1ª instância superlotada, explica o advogado Daniel Falcão, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). “O STF tem um estoque gigantesco de processos, mas é uma corte que não tem estrutura para isso”, aponta.

A característica de corte recursal explica boa parte do volume de processos. Pela lei brasileira, cidadãos podem recorrer ao Supremo como instância definitiva de deliberação em casos especiais. Para ter o caso analisado, é necessário comprovar que o processo não diz respeito apenas ao cidadão, mas implica uma série de casos análogos – ou seja, que uma decisão individual pode estabelecer uma repercussão econômica, jurídica, social ou política. Foi a ação de um único casal em busca de reconhecimento jurídico que conseguiu colocar como padrão da Justiça brasileira a validação da união homoafetiva.

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Decisões como essas geram acusações de que o STF acaba por legislar, supostamente interferindo nas atribuições do Congresso Nacional. Vilhena aponta que a atuação do Supremo não cria leis, apenas as invalida, sendo uma espécie de “legislador negativo”. Nesse caso, a Corte entendeu que não havia proibição expressa suficiente para que a autorização da união homoafetiva não fosse concedida. Falcão explica que a Constituição brasileira é “prolixa” e tem partes que não ficam claras, o que provoca a Corte a interpretar qual é o correto. “Se tiver uma manifestação em frente a um hospital, a Constituição diz que é livre o direito à manifestação, mas também que deve ser preservada a dignidade da pessoa humana. E aí? Qual prevalece? São casos como esses que o Supremo tem de decidir”, exemplifica.

Os especialistas ressaltam, contudo, que as decisões não são aplicadas automaticamente. Só tem reflexo nas instâncias inferiores casos nos quais a Corte decide aprovar, “após reiteradas decisões sobre matéria constitucional”, segundo o artigo 103 da Constituição, uma súmula com efeito vinculante, em que todas as decisões semelhantes deverão se basear. É claro, ressalta Falcão, que tudo que o STF faz é parâmetro, mesmo as decisões não vinculantes. “Os juízes sabem que, decidindo diferente do Supremo, a chance de a sentença ser alterada nas instâncias superiores é grande”, explica.

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O ministro Joaquim Barbosa durante julgamento do mensalão, em Brasília
O ministro Joaquim Barbosa durante julgamento do Mensalão, em Brasília (José Cruz/ABr/VEJA/VEJA)

Apesar de ter sobrecarregado os ministros do STF, que têm decidido sobre mais de dez mil casos por ano – enquanto nos EUA, por exemplo, são menos de 500 –, o alto número de julgamentos criminais com foro privilegiado não foi, em tudo, um desperdício, na avaliação de Daniel Falcão. “Não tenho dúvida de que julgamentos como o da ação penal 470 [Mensalão], por exemplo, deram coragem para essa quantidade de juízes de primeira instância tomando decisões fortes contra atos de corrupção”, diz o professor.

Difícil afirmar que os juízes federais Sergio Moro (responsável pela Lava Jato em Curitiba) e Marcelo Bretas (que responde pelas operações Calicute e Eficiência, desdobramentos da Lava Jato no Rio), entre outros, tenham se inspirado nas sentenças de Joaquim Barbosa no Mensalão, mas aquelas decisões do Supremo marcaram a história da justiça criminal no Brasil. De lá para cá, o STF passou a estar no centro das atenções, e a população, a acompanhar mais de perto a nossa corte constitucional.

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