Mar Marín.
Buenos Aires, 5 dez (EFE).- Cristina Kirchner encara um novo mandato disposta a fazer ajustes para blindar a economia argentina, após ter aprofundado o modelo de gestão desenhado por seu marido e antecessor, Néstor Kirchner, que gerou um crescimento sustentado, mas não se traduziu em redistribuição da riqueza.
Sob o lema ‘a continuidade da mudança’, Cristina tomou o bastão de comando em 2007 das mãos de Néstor Kirchner, com o objetivo de aprofundar o modelo estreado por seu marido e antecessor, cuja morte, em outubro de 2010, marcou uma transição na gestão da presidente.
Quando Néstor Kirchner assumiu o poder, em 2003, a Argentina começava a se levantar após a derrubada econômica e social mais grave do país, com crescimento a taxas de 8%, índice de desemprego de 20%, inflação de 3,7% e um índice de pobreza de 54%.
Kirchner conseguiu manter o rumo e garantir a decolagem com mais intervencionismo do Estado e subsídios aos serviços básicos.
Quatro anos depois, Cristina, escolhida com o apoio de 45,3% do eleitorado, herdou um crescimento de 8%, uma taxa de desemprego próxima a 10% e um índice de pobreza de 23%, mas uma inflação que começava a se disparar a 8,5%.
Agora, a governante enfrenta seu segundo mandato com um crescimento de 9%, desemprego de 7,2%, um nível de pobreza de 8% – questionado por relatórios privados – e uma inflação que organismos independentes calculam em 25% e que o Executivo reduz a 8% em suas estatísticas.
Em seu primeiro mandato, Cristina aproveitou a receita derivada da exportação de grãos, especialmente soja, para financiar sua política de subsídios, impulsionou o consumo interno como motor do crescimento e apostou pelas nacionalizações, como a dos fundos privados de previdência e das Aerolíneas Argentinas.
Entretanto, a presidente não conseguiu controlar a inflação nem gerar confiança suficiente para frear a fuga de capitais ou a dolarização dos fundos bancários, enquanto viu crescer o déficit comercial, especialmente com seu principal parceiro e aliado, o Brasil.
Embora há uma década a Argentina superou a crise de 2001, milhares de pessoas ainda vivem de revirar o lixo nas grandes cidades e cerca de 700 mil crianças têm problemas de desnutrição, de acordo com dados obtidos por universidades e ONGs.
‘A luta Kirchner contra a pobreza está muito longe do que caberia esperar da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a combinação de pobreza, mais déficit, em tempos de notável crescimento denota a ausência de transformação e programação de desenvolvimento’, assinala o analista Carlos Leyba.
‘Houve crescimento, falta desenvolvimento’, conclui detalhada análise do especialista publicada na revista ‘Debate’, que nota a falta de um projeto político a longo prazo, com objetivos claros e consenso social.
Em contraste com os desequilíbrios do modelo econômico, Cristina conseguiu a simpatia de setores progressistas com seu apoio aos julgamentos de repressores da ditadura militar e com avanços significativos na política social, como a ajuda mensal a desempregados ou famílias de baixos recursos com filhos menores de 18 anos em troca de estudo, vacinas e controle médico.
O Governo ganhou outro destaque entre o eleitorado de esquerda com a aprovação da Lei de Casamento Igualitário entre pessoas do mesmo sexo, que transformou a Argentina no primeiro país da América Latina a reconhecer o casamento entre gays.
Embora Cristina tenha seguido o exemplo de seu marido em sua estratégia de se cercar de um reduzido grupo de pessoas para a tomada de decisões e em seu empenho de evitar a imprensa, ela estabeleceu desde o início uma grande diferença com as relações entre seus vizinhos.
Enquanto Néstor Kirchner dava pouca importância à política externa, Cristina brigou para recuperar o protagonismo argentino na região, impulsionar a integração com seus vizinhos, melhorar as relações com os Estados Unidos e se aproximar dos organismos financeiros internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Apesar de suas duras críticas contra o FMI, os Kirchner utilizaram suas reservas para seguir o exemplo do Brasil e liquidar a dívida argentina, de cerca de US$ 10 bilhões.
Agora, com o aval de sua arrasadora vitória nas eleições de outubro, mais de 54% dos votos, Cristina se dispõe a reordenar a economia argentina e prepará-la para os efeitos da crise europeia com medidas necessárias, mas impopulares, como o controle da mudança do dólar ou a retirada dos subsídios.
Embora não reconheça formalmente o risco da inflação, no final de novembro, pela primeira vez, a presidente admitiu que é preciso abordar o problema. Alguns dias depois seus ministros começaram a anunciar o final dos subsídios. EFE