Senado aprova Marco Civil da Internet. Texto segue para sanção de Dilma
Projeto de lei que estabelece regras de uso da rede é aprovado às pressas na véspera de encontro mundial que acontece no Brasil
Após três anos de tramitação no Congresso Nacional, o Senado aprovou nesta terça-feira, em votação simbólica, o projeto de lei que regulamenta a web brasileira. O Marco Civil da Internet estabelece direitos e deveres de cidadãos, provedores e governo no ambiente virtual e foi aprovado às vésperas do Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, evento que reunirá autoridades de todo o mundo nesta quarta e quinta-feira, em São Paulo. O texto segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff.
Enquanto na Câmara o Marco Civil passou por uma série de discussões e teve o texto alterado após pressão de deputados, no Senado a matéria tramitou a toque de caixa: foi aprovada sem debates por duas comissões nesta manhã e levada ao plenário após uma manobra de senadores governistas que garantiu que o tema fosse colocado como o primeiro item da pauta. Não houve alterações ao texto da Câmara.
A agilidade dos senadores atende a apelo do Palácio do Planalto, que, após as denúncias de espionagem norte-americana, não quis chegar de mãos vazias no evento sobre governança da web. A presidente Dilma, acompanhada pelo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, participará da cerimônia de abertura.
Com a aprovação do projeto, o usuário brasileiro de internet sai beneficiado. Foi assegurada a neutralidade de rede, um dos grandes nós da disputa em torno do Marco Civil e considerado pelo governo um dos pontos mais caros do projeto. O dispositivo obriga os provedores de conexão a tratar de maneira igual toda informação que trafega na rede, sendo proibidas distinções em razão do tipo, origem ou destino dos pacotes de dados. O princípio impede, por exemplo, que os donos da infraestrutura da rede privilegiem alguns serviços (seus ou de terceiros ou os que podem pagar mais) em detrimento de outros, minando a concorrência e a inovação com uma espécie de pedágio discriminatório.
É a neutralidade, portanto, que pode assegurar que novos produtos briguem com gigantes digitais estabelecidos sem serem prejudicados na linha de largada. Com essa garantia, o melhor tem a maior chance de vencer. A regulamentação da neutralidade dependerá de consulta prévia ao Comitê Gestor da Internet (CGI) e à Anatel – inicialmente, a proposta previa que a regulamentação se daria via simples decreto do Executivo, mas o governo teve de ceder nesse ponto para viabilizar a votação.
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As quedas de braço por trás do Marco Civil
Também terminou derrotada a proposta governista que queria obrigar empresas estrangeiras que atuam no Brasil (caso de Facebook, Google e Netflix, entre muitas outras) a instalar data centers para guardar dados de usuários brasileiros. A ideia foi incorporada ao projeto no fim de 2013 – uma exigência da presidente Dilma Rousseff para dar uma “resposta diplomática” à suspeita de espionagem de agências americanas a dados de empresas e cidadãos brasileiros. A proposta – que não encontra paralelo em nenhuma parte do mundo – foi duramente criticada por especialistas. Além de desconsiderar a infraestrutura planetária da web, não teria o resultado pretendido pelo Planalto: evitar a interceptação de dados privados pelos espiões. Um efeito colateral, contudo, era certo: o encarecimento de serviços locais.
O Marco Civil proíbe ainda que provedores de conexão à rede (empresas como Oi, Vivo, GVT e NET) armazenem registros de navegação de usuário. Por fim, entre as grandes disposições, o projeto de lei ordena provedores de serviços web a excluir definitivamente dados do usuário quando este encerra sua conta. Dessa forma, ficam protegidos fundamentos essenciais ao florescimento contínuo da internet brasileira – como concorrência, inovação, competitividade -, ao mesmo tempo em que o usuário ganha maior proteção e privacidade no ambiente virtual.
A nova disposição sobre a guarda de dados de navegação do usuário é outro acerto do Marco Civil. O texto proíbe que provedores de conexão à internet armazenem registros que permitam saber quais sites foram acessados pelos usuários e quando. Hoje, os usuários podem escolher se circulam ou não pela web logados a sites como Google e Facebook, fornecendo informações de navegação a eles. Eles não têm a mesma escolha em relação aos provedores de conexão, daí a importância de estabelecer limites para o uso que essas empresas podem fazer dos registros de navegação dos seus clientes.
O texto aprovado nesta terça também traz disposições gerais sobre importância da rede e os direitos dos usuários. É o caso dos artigos que tratam da privacidade e liberdade de expressão. Apesar de terem despertado a atenção do mundo nos últimos meses, em especial após a divulgação das suspeitas de espionagem americana, esses temas já são contemplados na Constituição Federal. Não há novidade, portanto.
O Marco Civil começou a ganhar forma em 2009, com o objetivo de disciplinar o uso da rede, estabelecendo direitos e obrigações de seus atores. Em 2011, a versão final foi apresentada ao Legislativo e passou a ser discutida na Câmara. Representantes de empresas circularam pelos bastidores do poder tentando influenciar os rumos da discussão.